Piolho

Uma barranqueira gigante me jogou pra eu ir cuidar-da-minha-vida e isso não se importou com como eu me sentia. Vida sendo pouco empática. Eu, pegado que era em não sofrer, sofri. Dei com as caras na parede e quando olhei chorando para os lados só vi foram caras nas paredes.

Igual-comum que sou, demorei a me dar conta que o cuidar-da-minha-vida era dar conta de viver e me relacionar com as pessoas. Da melhor forma possível ou o “quanto menos besteiras você fizer, melhor vão te tratar”.

Isso ninguém me contou.

Ninguém que eu não achasse que guardava algum secreto interesse no meu bom comportamento. A igreja, meus pais e professores. Uma professora uma vez disse que eu era a influência má da sala. E eu era apenas um cara que não sabia o que estava fazendo ali.

Décadas depois, me dei conta que eu era um rebelde. E que isso implicava diretamente na regra da “melhor forma possível”. A vida sendo difícil.

Mas tinha o Piolho, que era amigo do meu pai. E que das vezes que vi meu pai feliz-para-caralho, certo que era dia que o Piolho tava em casa dando risada. Bebendo.

Aí que eu olhei uma foto hoje, vi o Piolho com a mesma cara. O Totó, o Zequinha, o Licão, o Bará. A imagem de todos os que frequentavam minha casa e iam juntos nas viagens se revelou hoje com um incrível poder de domar qualquer rebeldia no meu coração. As memórias de alegria na infância. Por memoria de alegria, eu entendo a alegria dos meus pais. Eram os dias que eles deixavam a gente fazer tudo e pagavam doce e deixavam jogar sinuca. A vida sendo uma experiência feliz.

Sendo pai da Maria e da Ana; sendo o melhor pai que posso ser, só consigo aceitar um cumprimento de Dia dos Pais depois de saudar o meu pai. Ele que brilha na constância de uma lembrança em que a alegria é mais legal que a tristeza. Como a lua cheia no meio do inverno. A vida sendo mistério.

A vida sendo aprendizado.